terça-feira, 15 de janeiro de 2013

lost memories

E 2013 começou com uma pilha de roupas no chão e um ônibus sem freios ou janelas que deslizava estrada adentro. De longe eu via a tempestade se aproximando. Seriam dias de chuva com todo tipo de teste ao caráter e outros auto-questionamentos profissionais, políticos e sentimentais. Tudo numa cidade que tinha mais carro que gente e cheirava perda de tempo.

Era a busca de uma redenção que eu nunca quis, mas que soava confortável aos ouvidos. Via de longe a pedra grande, distante tanto quanto as respostas que buscava em um exílio interiorano. E o quarto 205, que ora parecia minúsculo, ora gigantesco como um Maracanã (que deus o tenha) vazio, trazia um cem número de sons e cores e sabores que serão apenas mais um rabisco no bloco, uma cicatriz estranha.
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Quando eu mergulhava, e ao invés de olhar o fundo da piscina, me virava tapando o nariz e buscava raios de sol debaixo d'água. Sobre olhar para trás. Fácil é ser passarinho.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

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eu menti pros meus poemas. enganei o rimbaud, meu professor de geografia e meu melhor amigo. troquei o utópico pelo contra-cheque que garanta um quarto-sala em bairro classe média e pizza aos sábados. nada dos sonetos. a rima rica perdeu espaço para a prosa dura, seca. agora é tarde, a maratona tá no meio e não dá pra desistir. a gente continua, mas sempre pensando em desistir, sempre achando que ali na esquina vai chegar. assistindo o cachorro ficar velho, a planta morrer, o sonho quietar.

vendemos a alma ao diabo, mas a recompensa valeu o que? escuto um choro no chuveiro implorando por um final de semana de ócio. lembra a gente deitado na grama, formiga subindo pelo braço e a coceira nas costas? não volta. e nem sei mais se queria que voltasse. mas lembrar do conhaque, da discussão do futebol e só poder sorrir, porque rir já não dá mais, faz com que eu peça desculpas a todos meus santos alcoólicos  se faz necessário aprender a desistir também.

domingo, 27 de maio de 2012

sementes


E ai que esse texto vem num domingo cheio de espaços no tempo, onde são 17h43 e eu ainda nem almocei, engolido aqui no sofá pra ver se a fome aumenta minha inspiração e me deixa assim, meio bêbado sensível. E meio que ele vem alguns dias atrasado, uns oito, pra ser mais preciso. Uns 10 anos, pra ser mais sincero. E meu bem, eu juro que tenho tentado. Eu juro que prometo não prometer nada se você prometer que nessas nossas brigas bobas você só vai me amar mais. Eu cheguei atrasado, eu sei. Tá, uns 10 anos. Tudo bem, é bastante, mas eu tô tentando, eu juro. E vou conseguir, se derrubar uma lágrima cor de tempestade dos teus olhos lindos e do teu peito de aço. Deixa tocar os Stones, deixa eu ser teu Alain Delon de mentira. Nosso cordel só começou e tem tempo. Tô comprando ele a prazo e pago quando cair aquele dinheirinho.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

quando os filtros importam menos

Quando a campainha tocou sem ninguém ter sido anunciado no interfone, já matei na hora. Chegaram. E mal chegaram, já se espantaram com a geladeira vazia. Umas latas de cerveja, um pote de mostarda e umas fatias de presunto. A primeira resolução já tava tomada: uma ida ao mercado com direito a jogar o danone no carrinho sem nem ver o preço. Em alguns momentos fui guia. Peguei na mão dela pra atravessar o bloco de rua, como quando tinha uns sete anos e a proteção vinha do sentido contrário. Ri com os bêbados e embebedei os sóbrios. Bebemos como amigos, de uma maneira que poucas vezes havíamos feito.

Mostrei, orgulhoso, a casa com a luz da sala queimada, os posteres meio tortos, a janela sem cortina e o box que não fecha. Arrastei o s só parar irritar o velho. Fiz a dupla 'trânsito paulistano' andar de ônibus e bater papo com taxista. Desmaiaram cansados e roncando o velho ronco que antes atravessava dois quartos, e agora, na caixa de fósforo da rua Senador Vergueiro, no bairro do Flamengo, parecia ainda mais ensurdecedor com a parede fina separando o quarto-salaetodoresto. Ai eu puxo a cadeira, pergunto da fulana, da família, da cidade. Tento dar o sorriso mais sincero que a foto pede, como os presentes que não pude dar.

Na despedida, dou uma tossida forte, meio que disfarçando os olhos um pouco marejados. Era domingo e só poderia sê-lo. O dia cinza das despedidas. Despedidas só acontecem aos domingos. Mesmo quando o calendário teimosamente insiste em dizer que é sexta ou quarta. Voltei sozinho para o calor dos 20 e poucos metros quadrados, sem saber muito bem porquê não tinha entrado também naquele táxi que seguia em direção ao aeroporto. É a pergunta que me faço mais ou menos a cada quatro ou cinco dias, entre duas e três da madrugada. As coisas andam meio corridas por aqui, deixo pra buscar resposta numa outra hora. Diz que amanhã dá praia.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

e você dizia

'Não foi sempre assim. Antes nossas pupilas dilatavam e as luzes avermelhadas da noite pareciam encher o céu com fogo. Antes o estourar do champagne e o assoprar das velas eram parte de um círculo de planos, do espetáculo das descobertas, de encantamento que vinha abraçar. Sinto falta dos abraços. Sinto falta do melhor vinho ser aquele que o trocado pode comprar. A noite só começou e, mais vazio que a garrafa de rum, meu peito ouve silêncios. Calaram as ruas. Mataram a poesia com 20 mg de Prozac no leite das creches da cidade. Todos só ouvem silêncios'.

Durmo e acordo no sofá de um quarto-sala da zona Sul do Rio. Levanto tonto e acendo um cigarro. Entro debaixo do chuveiro com o cigarro e visto a camiseta amarrotada, adivinhem, com o cigarro. Nem coca nem pedra. É a solidão, permeada por uma meia dúzia de adjetivos sem flexão de gênero, número e grau, o vício mais perigoso do homem.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

il desiderio

Ensino pra teus dedos o caminho. Cruzo a tua rota, estilhaço com gosto. Viro a chave e desligo o motor do carro. Quero silêncio pra ouvir mais de perto tua respiração. Quero o calor de um ar não-condicionado que traduza com mais fidelidade o momento desenhado pela sombra das árvores. Só os taxistas fatigados rodando, sempre rodando, e os morcegos famintos, rodando, sempre rodando, são testemunhas dos nossos passos de valsa mal ensaiados. Luto. Peço pra ir, pra ficar, pra vir comigo. Quero esticar o tempo, atrasar o nascer do sol e te ver dormir do meu lado. Un pó’ ubriaco, torno a casa con il tuo profumo sulla mia camicia. Sei bella.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

fora do mapa

Até hoje acho graça do jeito como a gente se conheceu. O convite pro cinema, seu nariz meio torto iluminado pela tela grande e eu querendo largar tudo, largando tudo pra ficar contigo. Assim, num impulso, sabendo que era besteira e querendo mesmo assim. Não sei quando foi, talvez entre tua volta da Espanha e a ida pra Inglaterra. Canadá? Não me lembro. Só tenho na memória o banco da praça, teu sorriso soluçado. De como você se irritava com o fato de eu não ter cinzeiro aqui em casa, sempre batendo a bituca na minha coxa, formando um buraco grande que agora quer toda minha perna.
Juntando tudo, devem ter sido no máximo uns sete, oito meses. Todas as tuas idas e as minhas vindas. Mas gosto de pensar que foram uns sete ou oito anos. Gosto de lembrar de como você sentia vergonha pelo meu jeito relaxado perto dos teus amigos de nobres famílias sul-sancaetanenses. De como você quase me matou quando subi naquela mesa meio bêbado, pedindo licença pra poder fumar um cigarro no frio lá de fora. E a gente brincava e fazia apostas de quem iria cair fora primeiro, quem tomaria a decisão de soltar a mão do outro provando ser forte, tentando ser forte.
Me acostumei cedo em te ver partir, pois sabia que sempre seria assim. Você partindo e eu te olhando entrar na sala do embarque internacional sem olho marejado, só meio atônito, quieto. Você sem olhar pra trás, sem nada mais que um 'a gente se vê por ai, cat'. Nas tuas viagens, Roma, Holanda, Austrália, nunca existiu uma escala minha, nunca fui teu porto, e acho que a gente sempre se entendeu por isso. Não sei amar, nem você. Aprendi a exercitar a memória, decorar teus perfumes e nossos beijos pra lembrar quando você estivesse em fusos distintos.

Um dia você me mandou um e-mail perguntando se saudade era diferente de amor. Nunca soube responder, mas são nos dias em que recebo uma mensagem no celular com todos os teus erros de português tão seus me perguntando 'voltei. tô aqui perto da tua casa, tá ai?', que o peso da rotina vai embora e tudo é leve. Como nosso não amor, como a gente deitado no chão do teu quarto ouvindo 'Tonight, Tonight'. Não é preciso que seja longo para ser belo, e é no excesso da distância e na ausência do tempo que vamos seguindo. Ainda de mãos dadas.