terça-feira, 26 de janeiro de 2010

até voltar.

eu te conheci no meio da coragem, garota. e hoje, tua coragem é tão maior que a espera, é tão maior que todo esse tempo de agonia, que nem cabe mais nessa cidade cinza, nesse almoço rápido, e nessa respiração forçada. não cabe mais nesses elevadores cheios de botões, nessas caixas de remédio pequenas, debaixo desses guarda-chuvas e dessa ácida certezas de que, por hoje, é o bastante. e ainda que eu não consiga enxergar a partida tão próxima, (perdoai querida, os olhos marejados não lêem passagens de rodoviária com tanta facilidade) agradeço pela outra vida, pelo outro sonho, pelo novo rumo. agradeço pelas marchinhas de carnaval e pelo cigarro, sempre emprestado. abraço e desejo sorte de que encontre um ‘que’, um justo silêncio, porque silêncio não é igual em todo lugar. lá é mais silêncio, é mais azul. pendure as contas e as roupas no varal. aqui não podemos ter um varal (nem a preocupação de correr para tirar as roupas de lá quando chove). logo o outono chega, as folhas trazem a guimba do teu baseado. logo a vida vem dizer que foi difícil, ainda é, mas valeu. saudade é coisa nossa, de gente que segue chorando, consolando e também sorrindo. leva esse teu réveillon, agora é que a vida é nova e começa com uma brisa mais suave, com a linha do mar, com a rima do amor. prazer em conhecê-la.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

âncora, ou canção para se manter no chão

Agora, daqui de cima, ele vê o reflexo de dois corpos. O vidro escuro e embaçado torna o desenho um só. Um corpo disforme, defeituoso. Aí ele te olha bem fundo. Você, apoiada no peito dele, só a luz da TV, distante, ilumina teu rosto. Teu olhar diz a ele que já sabe de tudo, que sabe do fim, da gritaria na porta da casa, da maquiagem escorrendo dignidade em preto, borrando toda tua vida com uma coragem quase latina, irracional.

E sem nenhuma palavra, ele se espanta com vosso final tão bem delineado, se espanta que você saiba de todos os planos dele para arruinar tudo, ainda que não exista plano. E que mesmo sabendo do fim, da mágoa, das cartas; sabendo que ele é a maior decepção da porra da tua vida inteira, você ainda esteja lá. Ele tenta dizer que a vida é assim mesmo, que estamos sempre tentando preencher esse vazio que é o nosso próprio vazio.

Esse vazio que somos nós mesmos, buscando o motivo para continuar, buscando alguém para tampá-lo. Mas ele não diz nada, ele não consegue. Você só tampa a boca dele, assente com a cabeça e derruba uma única lágrima. 'É necessário ser econômica para as horas do pranto' você pensa. E de vez em quando, ele volta nesse quadro. Também é necessário exorcizar demônios de tempos em tempos.