quarta-feira, 20 de maio de 2009

norte

depois de tanto tempo era mesmo estranho entrar novamente na posição de desconforto. permitir-se jogos e encarar qualquer possibilidade como última e irrefutável. era a necessidade de comunicar, impressionar. desafio. ainda que com fumaça, com toda essa confusão e atropelamento do real, é que a gente se pergunta até onde vai.

um trabalho primário de colagem, de buscar harmonia ou caos, mas buscar de verdade, tentando não escorregar. não escorregar demais. e aí eram aqueles olhos baixos entorpecidos que fitavam procurando um dezembro possível dentro daquele maio que ameaçava frio. e só restava ficar impressionado em como alguém poderia me fazer sentir tão distante, estando tão perto de casa, estando tão perto de tudo que eu queria ter coragem para agarrar com força.

aquele hábito .. mas mais que tudo isso era só um sono, um bocejo, um gole tentando disfarçar o medo de levantar e dançar. porque a dança é a recompensa prometida no presente sem culpa. ela era aquele sopro na areia, aquele soco no estômago, copo quebrando e eu sabendo que era uma coisa assim qualquer, maluca e sem perspectiva de paz, mas que por hora, era a coisa mais surpreendente que cabia nos lapsos da razão.

terça-feira, 5 de maio de 2009

do máximo passado, da mínima dor

desci na estação e caminhei pela plataforma repleta de sombras. alguns metros, dois ou três relógios que marcavam contagens de minutos distintas.voltavam no tempo. 10h14 ... 10h11

ignorando qualquer defeito tecnológico eu esperava que as sombra e o tempo regredissem para que eu pudesse domar o engano em apreciar coisas que não entendia bem, e sentir o mundo sempre como essa estrada sem acostamento em que as paradas não são permitidas e a ordem é seguir, sempre seguir

e os rostos pálidos, peles de porcelana. cheios de erros, ainda que meus próprios já assombrassem suficientemente o dia. queimadas as cartas que registravam a falta de aprendizagem com o passado. repetição da rotina que tentavam eclipsar um falso alívio. eu só queria te mostrar que todas aquelas lágrimas eram a verdade que eu poderia te dar. que não conseguia carregar nossa razão, além da fé inabalável de que era sempre possível erguer tudo em nossos quartos escuros. do medo dessa sentença simples de que viver também é coagir para a dor alheia

quarta-feira, 11 de março de 2009

lucky man

Pedro me olhava naquela tarde de domingo. Agora tomava uísque como homem mesmo. Falava sobre como eu era um cara de sorte.

‘Você tem uma bela garota, um bom emprego com um bom salário. Tem um apartamento bacana, um carro, bons amigos, família. É um cara de sorte mesmo’.

Senti o peito engasgar e comecei a arranhar umas notas no violão meio em ar de deboche. Ele voltou a olhar e eu soltei um sorriso meio sem graça, que tentava dizer com todas as palavras que eu não conseguia pronunciar, que eu também não entendia porque é que eu não era tão feliz assim como ele pensava. E era com a camisa meio amassada, com a cara de quem sempre parecia ter acabado de acordar, com o silêncio em meio a uma roda de samba e com aquelas fotografias sempre em preto e branco que eu tentava ceder pistas sobre o abismo que era a arte do meu picadeiro.

Parecia claro agora a releitura que sempre havia feito de tudo, menos das minhas próprias orações e da dificuldade em dizer realmente o que era preciso ser dito. A porta daquele quarto vivia sempre trancada, mesmo depois de ter ido morar sozinho. E era no hábito que eu conservava minhas certezas e meus cheiros. Era um problema bem grande não saber usar aquela coisa toda cronológica ao meu favor. E para o Pedro, coitado, meu gosto por Carlos Gardel era só coisa de gente culta. Nem via na frente do próprio nariz a culpa que eu aceitava por ser sim, um fugitivo, um estranho de todo aquele lugar, e acima de tudo, um impaciente com a ordem da própria vida. Não queria deixar o Pedro sem resposta, rabisquei num papelzinho...

‘Tristeza não tem fim, felicidade sim’, larguei em cima da escrivaninha e fui procurar um bar aberto naquela madrugada.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

queda

Era muito óbvio. E mesmo supondo toda aquela obviedade, começou a procurar fotos que comprovassem aquele erro conjunto. Atravessou a sala totalmente escura, olhou para o céu avermelhado que só existe naquela cidade. Madrugada

Troca o dia pela noite com absoluta convicção que é só na luz da TV, na penumbra, que existe redenção em toda uma vida de tentativas. A tentativa da falta da irmã, do silêncio dos pais, do amigo que se foi e do amor que nunca foi, senão, uma tentativa;

Desligou o rádio, não poderia decretar o fim de nada. Leu Vinícius e começou uma carta sem destinatário. Falaria alto. Era necessário enfrentar o mar confuso com coragem, apesar do cansaço e do desconforto de um passado medroso em honestidade própria.

Era uma busca para saber onde tudo havia começado. Se em maldição, nascimento, ou falta de sorte. Viu com medo o fim da madrugada e o nascimento de mais dia, certo de que o nascer do sol é mais assustador que a chegada da noite. Óbvias tentativas.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

livro de jó

ainda que o cara sempre surpreendesse, daquela vez rompeu todas as expectativas. chegou de táxi, sentou no balcão, ao meu lado. pediu um rabo de galo e sem nenhuma saudação inicial, nem a mim, nem ao miranda, foi logo despejando, como quem veio repetindo aquela afirmação durante todo o caminho. ‘qualquer pessoa consciente e minimamente inteligente já pensou em suicídio’.

sabia que a única coisa que roberto desejava era ser ouvido. ouvido como nunca, como se fosse uma orquestra sinfônica. dei um gole longo no conhaque, abaixei os braços e esperei.

‘o problema nem era o fato do pedro ser de fora da cidade. é.. eu sei que o povo de rio das contas vai medir do pé a cabeça quem é forasteiro, mas nem foi isso que fodeu. Ele andava pra lá e pra cá de camiseta e calça jeans. As velhas comentavam né’

padre pedro sabia que ou deixava o rio de janeiro, ou jamais seria padre. no rio, só padre com vocação. meio-padre tá fodido.

chegou a quinta carta da juliana em menos de dois meses. juntou a trouxa, correu pra rodoviária. primeiro ônibus rumo ao corpo da morena.

domingo de manhã, igreja lotada. nem ave-maria, nem pai-nosso. quem quiser que chame o bispo, hoje o padre foi e não volta mais. quem quiser que xingue o homem, deus perdoa. perdoa.

domingo de manhã; ele vai cheio, quente. não tão rápido como pedro, que já foi pedrinho, pedrão e padre, mas agora é só pedro gostaria. durante a noite ele sonhou com juliana, a filha de iemanjá que vai alimentar aquele amor com cheiro de geladeira velha. corpo de cristo é bom, mas não enche a pança. saco vazio não pára em pé. pensa, decorou as falas. vai tremer. já ta;

parou. só cinco minutos, coca, banheiro. marcelo não quer mais andar de ônibus, quer carro, moto. quer ser gente e cansou. entrou logo atrás. quatro tiros e bebei todos, que é sangue pra dedéu. disseram que dois foram no rosto. mentira!
depois que um tiro acerta a cara, é tanto sangue e miolo voando, que nem o matador mais sangue-frio consegue acertar a face novamente. um no rosto.

dois no pescoço e um no braço.

rio das contas ficou sem missa naquele domingo. juliana ficou sem o amor que nunca veio. marcelo ficou com a poltrona só para ele. roberto sem primo.

na igreja alguém gritou ‘bem-aventurado o homem a quem deus corrige; não desprezes, pois a correção do senhor. porque ele fere, e cura, dá o golpe, e as suas mãos curarão’. depois um silêncio, e menino bento proferiu. ‘acho que o padre se fudeu’.