sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

caderno de paris

talvez a mulher que amei por alguns meses morra, e eu nem fique sabendo. ela costumava padecer de uma fragilidade inocente. algo que me perturbava algumas vezes. talvez a mulher que amei vá para Lisboa e não volte mais. talvez ela viva para sempre com um cigarro entre os dedos e uma camisola.

e o que pesa é saber se o amor era pouco para que nós, que buscávamos conceitos diferentes, pudéssemos sufocar um ao outro com palavras que rasgassem nossa harmonia matinal...
o que pesa é saber se o amor era muito, que só afastando os corpos tantos quilômetros, cada um poderia carregar tua própria cruz, e encarar tuas próprias mentiras, falhas e inquietações.

as palavras aproximaram nossos cheiros e tuas complexidades. bastou um olhar involuntário, irremediável, e estava sacramentada tua cegueira. espero que não saiba tarde demais, para que possa vê-la caminhando por avenidas centrais, com um guri no colo e um sorriso de sentimento regular. impossível.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

salamanca

que me sorprendió
por lo inquieto que me gustaría parar el tiempo
andar en lo mismo ritmo, cantar la misma melodía
crear nuestros olores

varían entre el aliento y la nerviosa calma
entonces no sé si no será buena
cae la noche, cierra el beso
las palabras se repiten como los ojos a mirar
el equilibrio que no se avergüenza
lo que es correcto no es suficiente
apretar el vacío contra el pecho
llorando el mismo bien del mal amado

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

pé descalço

se existe algo que é consenso geral, é de que dezembro, o mês do alívio, é também o mais quente. que passa rápido e mal dá para sentir a brisa. sorte nossa, fugir da selva de concreto. nos refugiamos na areia branca, com mais ser e menos fazer...

sorte que posso aprender o ritmo dos teus passos sob um céu de domingo de parque. esconder minha rotina de almoços sem intervalo e te ver faminta do nosso abraço. daquilo que dizem saudade, nada mais que a ausência daquele sorriso que sai sem que se perceba, eu te fiz presente. quero poder ouvir teus discos em volume impar, partilhar suas superstições para não arriscar a leveza que se projetou sobre nós.

deixo o vinho pela metade, para que possa bater novamente na tua porta, com uma desculpa qualquer para repetir aquela noite em que, debruçada no meu peito, teu sorriso brilhava no escuro como jóia que eu, menino de rua, havia roubado sabe-se lá de onde. deixa teu cabelo voar com o vento. deixa que nossos planos de viagem se tornem reais.. tão reais quanto nosso amor naquele quarto escuro em que o mundo ficou trancado para fora e você adormeceu ao meu lado.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

presenteia

Faça das nossas noites, vossos textos, dos meus beijos tuas rimas e dos meus abraços tuas frases cheias de metáforas. Faça do meu medo teu ponto de interrogação e do meu apego tua exclamação. Junte minhas sílabas com as tuas. Escreva todas na mesma linha, não as separe nunca.

Transforme seus olhares no maior esforço do encaixe perfeito de palavras, como dos nossos lábios se unindo em melodia leve.

E o passado vira presente e futuro, e eu te jogo cara a cara com esse sonho bom. A gente se vê nas coisas simples, no sol entre as árvores e no casal de gatos vadios. E você se vê no meu próximo parágrafo.

Não sei quando decide fazer de ti, estrofes minhas. Quando teu abraço passou de conjugado no singular para o nosso plural. Minha oração é subordinada a ti, minhas preposições propõem uma série de contatos físicos. Complete as lacunas com teus adjetivos de menina-mulher. E me encontre no nosso ponto final.

na vitrola: beck - lost cause

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

praga 96

Passei cerca de sete meses em Praga. Próximo ao albergue, uma espécie de pub sempre viva as moscas. O lugar nunca pareceu inspirador e, na grande parte das noites, eu acabava perambulando entre os bares de Kobylisy, ao norte da cidade.

Numa noite, sem cigarros e com pouco dinheiro, já perto do fim da estadia na cidade das cem cúpulas, resolvi arriscar o lugar. Como esperava, espelunca escura, exceto por uma luz do banheiro ao fundo, e por uma lâmpada de luz negra próxima ao bar. Estava praticamente vazio. Só um casal drogado ria sob efeito de cristais. Uma mulher de meia idade bebia sozinha, e o barman observava, saboreando a cena.

Sentei mostrando as poucas moedas. O barman loiro, com características francesas soltou.

‘Quer levar todo o bar camarada?’

‘Pelos cabelos loiros e ironia deve ser francês certo? ... O que um francês faz em Praga’

‘Você também não lembra em nada os irmãos do leste’

‘Sim, sou brasileiro.’


Trouxe algo que parecia vodka. Era o que a grana podia comprar.


‘Sou médico’, respondeu o barman, claramente contente por poder puxar conversa com alguém mais ou menos sóbrio.

‘Médicos não costumam atender em lugares assim. Em Praga se ganha mais como barman ou você é maluco realmente?’

‘Nem tudo que alguém procura ta na grana .. Não fossem as poucas moedas você não teria entrado aqui, certo?’

‘sim ...’

‘Não tinha especialidade alguma. Estava desiludido com a profissão... Não sei se fiz certo, porque na realidade eu nunca tenho certeza de muitas coisas. A única coisa que descobri foi que aqui as relações voltaram a ter um pouco mais de densidade, saca? Consigo curar muito mais pessoas nessa espelunca com algumas garrafas, algum papo, do que pude curar em toda minha carreira como médico.’

Então olhei para aquele homem, nem tão mais velho que eu. Sorri e senti que havia encontrado finalmente algum lugar que valia os trocados contados. A cama vazia e a solidão daquele albergue já não faziam mais sentido. Era preciso seguir rumo às respostas das perguntas que nunca me propusera a fazer no começo daquela jornada, pelas sombras do menor jogo da minha vida. Era preciso acreditar no tempo e na cura, e ali, eu que nunca havia tido fé em mais de duas décadas, acreditei firmemente que estava curado. Por um barman ou uma vodka qualquer.

Não voltei nunca mais lá.

Blue Note

Para ser sincero o sem-número de estações de rádio perdeu a graça nos últimos dias de poluição e excesso de raios de sol. Nem as novas do esporte, tampouco as eloqüentes experiências musicais de uma revigorada MPB tem desprendido qualquer reação, ou gerado qualquer debate interno um pouco mais atento.

Nenhum problema com o meio de comunicação que substancialmente mais me interessou desde sempre. Verdade seja dita, justiça seja feita, troquei as freqüências moduladas por uma programação menos variada. Um ensaio de tu, nós e com maior freqüência nas últimas viagens da ausência deles.

Deixei que as pilhas esgotassem e acumulassem, esquecidas em bolsos e compartimentos escuros. Canto teu samba, nosso refrão, notícias nossas, bossas novas. Ouço o resumo dos episódios da semana de nosso seriado romântico, ainda que eu nunca tenha visto capítulo qualquer. Auto-entrevista no jornal das 7h. ‘E então cara? Quando assumiu essa necessidade física, orgânica? Quando fez de seus pensamentos, reféns de outra pele?’. E a fala fica muda e nem bloco nem caneta encontram resposta para essa novidade de mil cores. Ainda que o máximo das tuas juras seja a simplicidade de um sorriso diário.

Uma porção de caminhos e opções quando só queria era ser levado. Como pedaço de madeira velha, atirado no rio, arrastado pela correnteza das águas mais turvas, dos acontecimentos mais lineares.

Meu rádio sem pilha nem botões começa a falhar, enfrenta a interferência dos milhões de pensamentos de uma avenida excessivamente movimentada. Entra no metrô, o calor, cansaço, até que teu sinal vai se perdendo em meio aos vagões e só resta um chiado baixo, triste. Como aquele jazz tocado na última madrugada.

antigo dueto com dozetoques

Dueto

troco o tempo por pouco
pouco tempo quero pouco
pra trás o sufoco e o aperto
tenho pouco quero tempo
longe desse mar de tudo
ondas de vento, tudo de tempo
não me encontro no alento
quem dera o vento volte a soprar
sou mais um no caminhar
corta, vento, esse rosto a esperar
são uns dias a iluminar
frente ao feixe de luz forte
que faça valer boa morte
troco o tempo, quero sorte
dos que amam sem esperar.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

ela sabe

Não pesa o pacto suave
Se só te encontro assim, com outro
Não me importo com cerveja nem papo solto
Só vou, e sigo assim, convém seu charme
Tanto faz qual o preço pago
Gosto do susto quando digo mal medido
Mas fácil você não se assusta
Tua alma, teu caos é permitido

Teu santo é mais protetor que abençoado
Se assim tua unha vermelha busca...
Carne fresca e sangue de pecado

Só abre a porta pra me privar
Dessa nossa arte de agora
Que o suspiro não chega e não mora
Nesse carro que é palco de amar
Nesse sonho marcado lá fora
E se eu for não vai ser pra ficar

Faz hora, conforta tua ausência
E no rosto, o vento segue viagem
Um cheiro que lembre paisagem...
Pra que assuma o posto, o risco
Tua manifestação da vontade
É só o defeito de ser mais que isso
Se teu beijo me vale além da verdade

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

celeste amarelo.

Quem mora em terra vermelha de sangue, batida por casco de boi, deveria saber que não se pode andar por aí com sorriso largo. E se foi um dos erros que me matou naquela viagem, esse deve ter sido o maior. Em terra de filé de calango, só se dormia de janela aberta. Padrinho já tinha ensinado que ladrão se pega na faca. E a chuva não perigava molhar a cama. Chuva não caia. Ai depois de pupar um bem pupado, eu só conseguia olhar bem no fundo dos olhos da Nenê, a cadela preferida e dizer ‘me leva daqui nenê que eu to morrendo, me leva pra longe’. Só que aí eu sorri tanto pros meus calos, e botas, e gados, e barros, e cactos que até encontrei quem gostasse de cabra que sorria ao invés de matar. Onde o sol racha o chão, não se olha pra mulher dos outros, assim como não se dorme de janela fechada. Celeste entrou fácil, cortou fácil e lambeu fácil o sangue que lavou o lençol e a honra. E com aquele conjunto de dentes meio amarelos, boca meio torta e queixo meio quadrado, as quais convencionaram chamar sorriso, eu poderia ter matado bem matado o Celeste. Porque na solidão quente, permeavam certezas religiosas, contrastando com minha necessidade racional de éticas construídas na base da ilusão. Era uma mancha branca naquele mar laranja. E eu podia ter matado bem matadinho o Celeste, mas lá só se sabia matar com ódio e face de demônio, matar com sorriso ia descaracterizar tanto crime, tanta terra, e tanta história que poupei o homem de morte boa. Dizem que lá a terra ainda é vermelha de sangue, o sol quente ainda racha o chão, chuva não entra em casa, e cabra safado ainda se pega na faca. Mas quem sorri demais por lá, sabe bem que tem de fechar a janela antes da lua chegar e do vento soprar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

uma semana

só quero esse teu sorriso de confissão. que te desmente nessa pose de durona. teus olhos parados fitando meus pensamentos. conto horas de trabalho. penso serem elas uma espécie de oferenda para te encontrar. busco escapar da prisão trabalhista.

tento uma fuga por meios tecnológicos. bloquearam tuas palavras, mas ainda acesso teus beijos na minha memória pouco virtual. jogo uma mensagem pela janela, mas o vento se recusa a carregar sentimentos tão leves. pesados, meus créditos são poucos. grito a plenos pulmões que vou te seguir.

e pouco importa se num segundo teu olhar é paixão e no seguinte é estranhamento, frieza. nem faço contas de quilometragens ou avaliações de risco. deixe os manuais de crise para os amores mais corporativos. sinto-me sempre perto de casa. e estou de fato, com você ao lado. vou decorando teus sinais. tua fala e tua boca. teu silêncio e tuas coxas. nossas risadas-despedidas de todo dia. a certeza de que essa época nunca vai voltar, de que nesses poucos dias a música tocou diferente, o escuro iluminou nossos corações e que teus olhos refletiram nos meus. de alma lavada.

acaso

Chega sem pedir licença. Espalha entre as tantas fotos que nunca lhe comoverão. Divide a insônia, e os goles da bebida que já não é mais barata. Compartilha os filmes legendados das sessões corujas, e o pouco espaço nos versos de xérox velhos. Os cadernos com folhas brancas ficam escassos depois de alguns anos. Chega como golpe de sorte. Transforma uma sexta-cinza em final de filme das dez, aqueles sem entendimento, sem tradução. Te cubro com ciúmes e proteção. Uma porção de piadas prontas e olhares fixos. A bebida sem gelo esquenta mais com o calor do encontro. Invento alguma desculpa pra aceitar o convite de um crime imperfeito. Papéis invertidos. Você dirige e eu canto baixinho o John Lennon. Busco a música que eu sei, não existe no Cd só pra ficar mais. A surpresa exposta no sorriso solto e fácil. Alguma coisa do tipo não esperar mais que um toque de mãos sem paixão. Não existe verdade no nosso mundo. E não existe adeus que seja tão adeus quanto teu não choro molhando meu peito, e me pedindo pra ficar. Dizendo que eu não sou nada além de uma sexta chuvosa, de um sete de julho qualquer. Mas que mesmo assim, pelo menos nesse carro escuro, agora tudo parece ter um pouco mais de sentido.