quarta-feira, 19 de novembro de 2008

celeste amarelo.

Quem mora em terra vermelha de sangue, batida por casco de boi, deveria saber que não se pode andar por aí com sorriso largo. E se foi um dos erros que me matou naquela viagem, esse deve ter sido o maior. Em terra de filé de calango, só se dormia de janela aberta. Padrinho já tinha ensinado que ladrão se pega na faca. E a chuva não perigava molhar a cama. Chuva não caia. Ai depois de pupar um bem pupado, eu só conseguia olhar bem no fundo dos olhos da Nenê, a cadela preferida e dizer ‘me leva daqui nenê que eu to morrendo, me leva pra longe’. Só que aí eu sorri tanto pros meus calos, e botas, e gados, e barros, e cactos que até encontrei quem gostasse de cabra que sorria ao invés de matar. Onde o sol racha o chão, não se olha pra mulher dos outros, assim como não se dorme de janela fechada. Celeste entrou fácil, cortou fácil e lambeu fácil o sangue que lavou o lençol e a honra. E com aquele conjunto de dentes meio amarelos, boca meio torta e queixo meio quadrado, as quais convencionaram chamar sorriso, eu poderia ter matado bem matado o Celeste. Porque na solidão quente, permeavam certezas religiosas, contrastando com minha necessidade racional de éticas construídas na base da ilusão. Era uma mancha branca naquele mar laranja. E eu podia ter matado bem matadinho o Celeste, mas lá só se sabia matar com ódio e face de demônio, matar com sorriso ia descaracterizar tanto crime, tanta terra, e tanta história que poupei o homem de morte boa. Dizem que lá a terra ainda é vermelha de sangue, o sol quente ainda racha o chão, chuva não entra em casa, e cabra safado ainda se pega na faca. Mas quem sorri demais por lá, sabe bem que tem de fechar a janela antes da lua chegar e do vento soprar.

3 comentários:

Luciano Costa disse...

mutcho bão. e legal, vamos fugindo do habitué nesse início de novas fases...

Fernanda Doniani disse...

meio Lampião-Maria Bonita.

bom!

Autor disse...

Estilo Guimarães Rosa, hein?

Muito bom.