terça-feira, 20 de janeiro de 2009

livro de jó

ainda que o cara sempre surpreendesse, daquela vez rompeu todas as expectativas. chegou de táxi, sentou no balcão, ao meu lado. pediu um rabo de galo e sem nenhuma saudação inicial, nem a mim, nem ao miranda, foi logo despejando, como quem veio repetindo aquela afirmação durante todo o caminho. ‘qualquer pessoa consciente e minimamente inteligente já pensou em suicídio’.

sabia que a única coisa que roberto desejava era ser ouvido. ouvido como nunca, como se fosse uma orquestra sinfônica. dei um gole longo no conhaque, abaixei os braços e esperei.

‘o problema nem era o fato do pedro ser de fora da cidade. é.. eu sei que o povo de rio das contas vai medir do pé a cabeça quem é forasteiro, mas nem foi isso que fodeu. Ele andava pra lá e pra cá de camiseta e calça jeans. As velhas comentavam né’

padre pedro sabia que ou deixava o rio de janeiro, ou jamais seria padre. no rio, só padre com vocação. meio-padre tá fodido.

chegou a quinta carta da juliana em menos de dois meses. juntou a trouxa, correu pra rodoviária. primeiro ônibus rumo ao corpo da morena.

domingo de manhã, igreja lotada. nem ave-maria, nem pai-nosso. quem quiser que chame o bispo, hoje o padre foi e não volta mais. quem quiser que xingue o homem, deus perdoa. perdoa.

domingo de manhã; ele vai cheio, quente. não tão rápido como pedro, que já foi pedrinho, pedrão e padre, mas agora é só pedro gostaria. durante a noite ele sonhou com juliana, a filha de iemanjá que vai alimentar aquele amor com cheiro de geladeira velha. corpo de cristo é bom, mas não enche a pança. saco vazio não pára em pé. pensa, decorou as falas. vai tremer. já ta;

parou. só cinco minutos, coca, banheiro. marcelo não quer mais andar de ônibus, quer carro, moto. quer ser gente e cansou. entrou logo atrás. quatro tiros e bebei todos, que é sangue pra dedéu. disseram que dois foram no rosto. mentira!
depois que um tiro acerta a cara, é tanto sangue e miolo voando, que nem o matador mais sangue-frio consegue acertar a face novamente. um no rosto.

dois no pescoço e um no braço.

rio das contas ficou sem missa naquele domingo. juliana ficou sem o amor que nunca veio. marcelo ficou com a poltrona só para ele. roberto sem primo.

na igreja alguém gritou ‘bem-aventurado o homem a quem deus corrige; não desprezes, pois a correção do senhor. porque ele fere, e cura, dá o golpe, e as suas mãos curarão’. depois um silêncio, e menino bento proferiu. ‘acho que o padre se fudeu’.