segunda-feira, 24 de novembro de 2008

praga 96

Passei cerca de sete meses em Praga. Próximo ao albergue, uma espécie de pub sempre viva as moscas. O lugar nunca pareceu inspirador e, na grande parte das noites, eu acabava perambulando entre os bares de Kobylisy, ao norte da cidade.

Numa noite, sem cigarros e com pouco dinheiro, já perto do fim da estadia na cidade das cem cúpulas, resolvi arriscar o lugar. Como esperava, espelunca escura, exceto por uma luz do banheiro ao fundo, e por uma lâmpada de luz negra próxima ao bar. Estava praticamente vazio. Só um casal drogado ria sob efeito de cristais. Uma mulher de meia idade bebia sozinha, e o barman observava, saboreando a cena.

Sentei mostrando as poucas moedas. O barman loiro, com características francesas soltou.

‘Quer levar todo o bar camarada?’

‘Pelos cabelos loiros e ironia deve ser francês certo? ... O que um francês faz em Praga’

‘Você também não lembra em nada os irmãos do leste’

‘Sim, sou brasileiro.’


Trouxe algo que parecia vodka. Era o que a grana podia comprar.


‘Sou médico’, respondeu o barman, claramente contente por poder puxar conversa com alguém mais ou menos sóbrio.

‘Médicos não costumam atender em lugares assim. Em Praga se ganha mais como barman ou você é maluco realmente?’

‘Nem tudo que alguém procura ta na grana .. Não fossem as poucas moedas você não teria entrado aqui, certo?’

‘sim ...’

‘Não tinha especialidade alguma. Estava desiludido com a profissão... Não sei se fiz certo, porque na realidade eu nunca tenho certeza de muitas coisas. A única coisa que descobri foi que aqui as relações voltaram a ter um pouco mais de densidade, saca? Consigo curar muito mais pessoas nessa espelunca com algumas garrafas, algum papo, do que pude curar em toda minha carreira como médico.’

Então olhei para aquele homem, nem tão mais velho que eu. Sorri e senti que havia encontrado finalmente algum lugar que valia os trocados contados. A cama vazia e a solidão daquele albergue já não faziam mais sentido. Era preciso seguir rumo às respostas das perguntas que nunca me propusera a fazer no começo daquela jornada, pelas sombras do menor jogo da minha vida. Era preciso acreditar no tempo e na cura, e ali, eu que nunca havia tido fé em mais de duas décadas, acreditei firmemente que estava curado. Por um barman ou uma vodka qualquer.

Não voltei nunca mais lá.

5 comentários:

Murilo Costa disse...

muito bom, cara, e gostei da ambientação também
e bares podem curar coisas que a medicina não consegue... ahuhuaa

Autor disse...

O bar é um templo

Aldo Jr. disse...

"... os homens amam os bares e os bons bares merecem ser amados..." - Charles Bukowski

Luciano Costa disse...

da proxima vez que for a um bar em praga, tome uma À memória de kafka.

Fernanda Doniani disse...

a medicina nunca cura tanto quanto a cajibrina.