Pedro me olhava naquela tarde de domingo. Agora tomava uísque como homem mesmo. Falava sobre como eu era um cara de sorte.
‘Você tem uma bela garota, um bom emprego com um bom salário. Tem um apartamento bacana, um carro, bons amigos, família. É um cara de sorte mesmo’.
Senti o peito engasgar e comecei a arranhar umas notas no violão meio em ar de deboche. Ele voltou a olhar e eu soltei um sorriso meio sem graça, que tentava dizer com todas as palavras que eu não conseguia pronunciar, que eu também não entendia porque é que eu não era tão feliz assim como ele pensava. E era com a camisa meio amassada, com a cara de quem sempre parecia ter acabado de acordar, com o silêncio em meio a uma roda de samba e com aquelas fotografias sempre em preto e branco que eu tentava ceder pistas sobre o abismo que era a arte do meu picadeiro.
Parecia claro agora a releitura que sempre havia feito de tudo, menos das minhas próprias orações e da dificuldade em dizer realmente o que era preciso ser dito. A porta daquele quarto vivia sempre trancada, mesmo depois de ter ido morar sozinho. E era no hábito que eu conservava minhas certezas e meus cheiros. Era um problema bem grande não saber usar aquela coisa toda cronológica ao meu favor. E para o Pedro, coitado, meu gosto por Carlos Gardel era só coisa de gente culta. Nem via na frente do próprio nariz a culpa que eu aceitava por ser sim, um fugitivo, um estranho de todo aquele lugar, e acima de tudo, um impaciente com a ordem da própria vida. Não queria deixar o Pedro sem resposta, rabisquei num papelzinho...
‘Tristeza não tem fim, felicidade sim’, larguei em cima da escrivaninha e fui procurar um bar aberto naquela madrugada.