foi num domingo, às 15 horas da tarde, com o sol ainda brilhando, que Pedro decidiu oferecer todos os seus dentes pela Liandra. os dentes do Pedro, que havia fumado dos 15 aos 22, não valiam muita coisa. uma queda de bicicleta aos 11 fizera com que o canino posterior fosse quebrado a metade. quantos dentes possui um ser humano digno? perguntou ao Miranda, que respondeu com pouca certeza. 'acho que uns 28. tem que ser par né'. Pedro resolveu oferecer 27 e meio aos santos, não se rouba um santo e se vive impunimente.
quanto mais o Pedro olhava para o sol, menos sentia falta dos seus dentes e já começava a imaginar uma vida simples, de brilho de sol, água e purê de batata. ele não queria ouvir conselhos odontológicos. e pouco importava se seu sorriso nas fotografias sofreria um decréscimo substancial. Pedro nunca foi de sorrir muito. só aquele meio sem graça, obrigatório, quase agressor. E ai o Pedro ri porque ele, um ser pensante, um intelectual, um filósofo do interior, está oferecendo todos os seus dentes aos deuses pela Liandra, que não pensa, não filosofa, mas é macia como o diabo.
a boca de Pedro ainda formigava quando chegou para Liandra e disse que a amava mais que são francisco de assis amava os animais. e esses dentes eram dela. os dentes, a boca, os olhos e tudo. a Liandra riu. sem dentes, Pedro parecia um macaco gemendo ruídos estranhos. Pedro fazia o som do vento passando debaixo da porta de madeira, molhado pelo suor e dominado pelo desespero. subiu até a pedra mais quente, não a mais alta, mas a mais quente. Pedro e a pedra. e jogou todos no mar. Pedro, o filósofo sem dentes, fala como um verdadeiro profeta quando o som do vento que sai da sua boca se encontra com o barulho das ondas do mar. aquelas pequenas joias amareladas não fazem falta, ele sabe bem. todos estão surdos.
minha alma chora o teu sangue derramado.
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